1 de fev. de 2013

A geração térmica e seus efeitos na tarifa de energia


O sistema de geração de energia elétrica do Brasil é de causar inveja a vários países do mundo. Trata-se de uma matriz energética com ampla predominância de fontes renováveis, mais baratas e menos poluentes. Atualmente, o Brasil conta com 80 mil MW de capacidade hidrelétrica instalada, sendo o segundo maior produtor de energia proveniente dessa fonte, atrás apenas da China (197 mil MW). Apesar de representarem 78% da capacidade instalada do parque gerador brasileiro, as hidrelétricas foram responsáveis por 89% da energia gerada em 2011, enquanto as termelétricas geraram apenas 6% no mesmo período, quando sua participação na potência instalada é de 13%. Além disso, é importante ressaltar a vantagem do grande sistema interligado por linhas de transmissão que permite explorar as complementaridades hidrológicas entre as diferentes bacias hidrográficas com a "transferência" de energia de uma região para outra. Essa é uma vantagem do sistema hidrotérmico brasileiro, pois além da predominância hidrelétrica, os reservatórios de acumulação existentes permitem o aproveitamento dos excedentes hídricos, contribuindo para a redução do consumo de combustíveis e, consequentemente, do custo de geração de energia. Se não tivéssemos abandonado a construção de usinas com reservatórios, a situação estaria mais tranquila, pois poderíamos contar com mais água para gerar energia e dispensar o acionamento de térmicas, mais caras e poluentes. O que acontece é que nos períodos de pouca chuva, como agora, esse excedente energético deixa de existir e, para garantir o atendimento a todas as cargas, as usinas térmicas são colocadas para operar na sua capacidade máxima. Isso é normal, em função do ciclo das chuvas. Não adianta acreditar que os benefícios das sobras de energia de origem hidráulica sejam permanentes. Neste momento, a geração térmica está no limite, produzindo 13,7 mil MW médios. O cenário que se vislumbra com os níveis dos reservatórios muito baixos e sem chuva é o de permanência dessa situação para os próximos meses. O problema é que a geração térmica custa muito mais caro. Enquanto a energia das hidrelétricas custa cerca de R$ 100 por MWh, o custo da energia gerada por usinas térmicas que operam com combustíveis fósseis, como óleo diesel, pode chegar a R$ 800 por MWh. É claro que a segurança do suprimento energético deve ser o principal objetivo do governo e que energia mais cara é aquela que não existe. Contudo, nas condições atuais de suprimento, o custo adicional da geração aumentará sobremaneira, sendo os distribuidores de energia elétrica os principais agentes que absorverão os impactos financeiros imediatos desse incremento de despesa. As distribuidoras pagam esse custo adicional praticamente à vista e recebem dos consumidores por ocasião dos reajustes (até 12 meses depois) em 12 prestações diluídas na conta de luz, podendo gerar hiatos de até 24 meses entre a despesa e a receita correspondente. A atual cobertura tarifária dos distribuidores para esse custo adicional é da ordem de R$ 150 milhões mensais. Contudo, em novembro de 2012 esse encargo total foi da ordem R$ 547 milhões. Em dezembro de 2012, o montante chegou ao incrível valor de R$ 900 milhões. Nos meses subsequentes, mediante o cenário vislumbrado, esse valor poderá alcançar a cifra de R$ 1 bilhão por mês. Por enquanto, essa geração extra vai representar um aumento de 4,8% na conta de luz, mas o valor pode ser maior. Tudo vai depender do período chuvoso e do prolongamento do uso da geração térmica. Essa condição é agravada pelos efeitos do 3º ciclo de revisão tarifária das distribuidoras de energia elétrica, que vêm ocasionando forte redução na margem de contribuição econômica dessas concessionárias. O incremento da despesa mensal para pagar a geração térmica, conforme nossas estimativas, drenará, em média, mais de 50% do Ebitda mensal do setor de distribuição de energia elétrica. Considerando que a operação das usinas térmicas visa garantir o suprimento energético, nossa preocupação imediata reside em uma exasperação do risco de inadimplência setorial com consequente rompimento da cadeia de pagamentos do setor - distribuição e geração. O instrumento contratual disponível seria a execução da cláusula de revisão extraordinária dos distribuidores. Contudo, essa revisão que está prevista para fevereiro de 2013 deve-se restringir apenas aos itens associados à MP 579/2012, que trata da revisão das concessões do setor elétrico. Nesse sentido, estamos buscando apoio junto ao governo para garantir que o impacto tarifário seja o menor possível e a perda no caixa das distribuidoras possa ser suportada sem drenar recursos de outros objetivos importantes como os investimentos necessários para garantir a confiabilidade durante os jogos da Copa do Mundo de 2014. Temos que evitar também uma inadimplência generalizada que comprometa a sustentabilidade do setor, como já tivemos em outros momentos do passado e não foi agradável. As instituições do setor elétrico devem atuar, neste momento delicado, reafirmando o compromisso com a modicidade tarifária e a universalização do serviço, mas é preciso que a sustentabilidade financeira das empresas seja preservada para que elas possam cumprir seu papel. Energia é um insumo fundamental para o Brasil crescer com segurança e receber investimentos estrangeiros. É hora de o governo, associações, indústria e agentes do setor trabalharem juntos para que se continue garantindo a segurança energética e o país não fuja da rota de crescimento econômico. 
Nelson Fonseca Leite é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
Fonte: Valor Econômico

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