22 de fev. de 2013

O lixo virou luxo

Até poucos anos atrás, décadas de 70, 80, até mesmo mais recentemente, as usinas de açúcar e álcool tinham montanhas de bagaço estocadas nos pátios cuja altura ultrapassava a dos prédios da própria usina. As caldeiras que queimavam bagaço o faziam com eficiência tão baixa que o processo estava mais para incineração (objetivo: livrar-se do resíduo) do que para uso energético. As condições das plantas termoelétricas da década de 70, tipicamente com pressão de geração de 20 bar, saída da turbina a 1,5 bar e temperatura de superaquecimento de 270ºC, resultavam em eficiência do cliclo Rankine em torno de 10% e rendimento de 200 kWh/ton de bagaço. Embora houvesse um vasto potencial de geração termoelétrica nos canaviais paulistas, algo na odem de grandeza de Gigawatts, a venda para a rede não tinha atrativos. O bagaço comercializado era vendido barato para outras indústrias como a de suco de laranja.
As coisas mudaram. O lixo virou luxo. A pressão subiu, a condensação baixou e a eficiência cresceu quase três vezes e até unidades autônomas (termelétricas sem produção de açúcar e álcool) se justificaram. Não há mais a montanhas de bagaço, na verdade não há mais bagaço. Para venda, pelo menos. As plantas que confiavam no bagaço como combustível passaram a procurar alternativas mais custosas como aparas de madeira e pode-se dizer até que há a possibilidade de um novo lixo (doméstico, industrial) virar luxo.
A biomassa assumiu o seu papel, ou parte dele pelo menos. Com a colheita mecanizada e a demanda de energia em alta, palha e ponteiro agora têm o potencial de serem utilizados como biocombustíveis, mas esbarram em dificuldades ainda não solucionadas ou sequer equacionadas como o transporte do campo à indústria, o potencial de danos às caldeiras e o potencial de emissões atmosféricas de organo-clorados, em razão do maior teor de cloro destes materiais, cerca de dez vezes maior que o do bagaço.
Neste cenário o que se espera do etanol celulósico no Brasil? Já há indústrias que apregoam a venda do processo pronto para funcionar (turn key), mas supondo que de fato esta seja uma tecnologia dominada, fará sentido produzí-lo? A questão parece ser não de energia, mas de que tipo de energia se precisa. Combustível para transporte ou energia elétrica? Quem vale mais? Por quanto tempo? Parece não haver bagaço para todos. Naturalmente, as questões de retorno e estabilidade financeiras far-se-ão ouvir. As questões ambientais também estarão presentes e podem fazer pender a balança do custo para um lado ou para o outro.

Prof. Josmar Pagliuso (josmar@sc.usp.br)

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